Socialis

6.3.06

Posição da Associação dos Profissionais de Serviço Social (APSS) sobre o Processo Bolonha e a formação em Serviço Social

1. Em Dezembro de 2004, a APSS subscreveu, conjuntamente com a Rede Nacional das Escolas de Serviço Social, a Associação de Investigação e Debate em Serviço Social, o Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social e o Sindicato Nacional dos Profissionais de Serviço Social, o documento A Formação de Assistentes Sociais em Portugal e o Processo Bolonha, remetido à Senhora Ministra da Ciência Inovação e Ensino Superior como posição pública sobre a matéria.

2. No referido documento era defendido, em termos conclusivos, que para a formação inicial de Assistentes Sociais, com o perfil definido, tornam-se necessários 4 anos (240 ECTS) de forma a garantir a simultaneidade das componentes formativas estruturantes (formação teórica em Serviço Social e Ciências Sociais, formação experiencial através de estágios curriculares supervisionados, aprendizagem básica de investigação para a produção de conhecimento, com particular relevância nos contextos da acção) e a proporcionar a saída para o mercado de trabalho de profissionais qualificados, em conformidade com as Normas Internacionais de Qualidade para a Educação e a Formação em Serviço Social , emanadas pelos organismos internacionais desta área.

3. Como fundamentos desta posição eram apresentados, entre outros (cf. documento neste blogue), dois argumentos principais, a saber. Primeiro, o perfil de formação ensaiado e aperfeiçoado no decurso do processo de desenvolvimento académico e profissional do Serviço Social em Portugal. Segundo, o perfil profissional do Assistente Social, que como especialista das Ciências Sociais e Humanas o configura como um profissional complexo (exigindo a formação e desenvolvimento pessoal do profissional a par da formação científico-técnica) em contextos sociais de crescente complexidade, circunstâncias que requerem condições de maturação pessoal e profissional, uma importante componente curricular de formação experiencial e uma capacitação para a investigação e produção de conhecimento nos contextos da acção profissional, perfil não compatível com ciclos de formação inicial curtos.

4. Noutro plano, uma abordagem comparativa com os demais países europeus, onde se regista, já no decurso da adaptação ao processo Bolonha, uma significativa diversidade de soluções formativas para o 1º ciclo de formação (cfr. Libro Blanco Título de Grado de Trabajo Social), confirma no essencial a posição da APSS sobre a necessidade de um primeiro ciclo de formação longo, o mais longo possível no respeito pelas orientações normativas e regulamentares do processo Bolonha e considerando a limitação decorrente do facto da não existência de uma norma legal da União Europeia para a profissão de Assistente Social.
No quadro de uma análise comparativa, é convicção da APSS que, no quadro europeu, Portugal, em virtude do processo de desenvolvimento académico da formação em Serviço Social, é um país de referência.
Atenda-se também à Recomendação do Conselho de Ministros do Conselho Europeu (2001) que reconhece a natureza da profissão de Serviço Social, que requer o mais alto nível de responsabilidade para a tomada de decisões, elevados níveis de competências e, por isso, exige uma formação adequada designadamente no campo da investigação.

5. Pelos fundamentos e razões apresentados, e ainda que tenha decorrido um período de tempo significativo sobre a tomada de posição em referência, em grande parte em consequência da mudança registada no Ministério que tutela o Ensino Superior, e que gerou uma normal expectativa quanto às orientações da nova equipa ministerial no âmbito do Processo Bolonha, a APSS não encontra fundamento para alterar o seu posicionamento sobre a formação dos Assistentes Sociais no âmbito do Processo Bolonha, sem prejuízo naturalmente da ponderação das orientações políticas entretanto traçadas, consubstanciadas na alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo (30 de Agosto de 2005) e no Decreto-Lei que regula os graus académicos e diplomas de ensino superior, aprovado na generalidade no Conselho de Ministros, de 9 de Fevereiro de 2006.

6. Neste âmbito, assumem particular significado as orientações estabelecidas pelo ante-projecto de Decreto-Lei de graus académicos e diplomas de ensino superior, o qual preconiza, designadamente o seguinte:
- o ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado tem a duração de 6 semestres (180 ECTS) no ensino politécnico como duração normal, e de 6 a 8 semestres (180 a 240 ECTS) no ensino universitário.
- o ciclo de estudos conducente ao grau de mestre tem a duração de 2 a 4 semestres (60 a 120 ECTS), estando orientado no ensino politécnico para a especialização profissional e no ensino universitário para a especialização académica e profissional.

7. Em face das orientações legais previstas para a estrutura de graus e diplomas do ensino superior, e das limitações impostas pela inexistência de um organismo profissional de direito público a quem sejam reconhecidas funções de auto-regulação da profissão, processo em que a APSS está empenhada desde 2003 no sentido da constituição de uma “Ordem dos Assistentes Sociais”, e cuja existência permitiria equacionar outras possíveis soluções de articulação entre formação inicial, estágio profissional e condições de acesso ao exercício da profissão, a APSS considera que:

i) a formação inicial, que qualifica para o exercício profissional como Assistente Social, deverá ter uma duração preferentemente de 8 semestres (240 ECTS), correspondendo ao primeiro ciclo de estudos conducente ao grau de licenciatura em Serviço Social;

ii) a formação inicial deve necessariamente assegurar um nível consistente de formação específica, recusando-se soluções de tronco comum a outras formações em Ciências Sociais que não garantam as condições adequadas de desenvolvimento de uma profissionalidade própria e qualifiquem para um competente exercício profissional como Assistente Social;

iii) a formação inicial deverá conceder uma particular atenção à componente do estágio (ou estágios) supervisionado, e a outras instâncias formativas que favoreçam o contacto dos estudantes com a realidade social e profissional, dimensão considerada essencial à maturação pessoal e profissional dos futuros Assistentes Sociais e à facilitação da sua inserção profissional, na linha do que é considerado no Relatório Braga da Cruz para a área das Ciências Sociais no âmbito do Processo Bolonha e do que é claramente sublinhado pela Comissão de Avaliação Externa que abrangeu os cursos de Serviço Social, que a este título recomenda que os responsáveis institucionais acompanhem com cuidado redobrado o problema dos estágios no âmbito da licenciatura, tendo particular atenção às revisões curriculares que se avizinham no âmbito da implementação do processo de Bolonha;

iv) a estrutura curricular dos cursos de Licenciatura em Serviço Social deve sustentar projectos formativos que prossigam a capacitação para a investigação e produção de conhecimento nos contextos da acção profissional contemplando, para além da clássica formação básica em metodologia de investigação social, em possíveis geometrias variáveis, a existência de disciplinas específicas, seminário(s) de investigação e a realização de um trabalho final de curso de 1º ciclo;
v) é particularmente urgente, no contexto de quase-desregulação da formação inicial de assistentes sociais, o estabelecimento de uma norma base de regulamentação desta formação, à semelhança do que foi recentemente realizado na vizinha Espanha (cfr. Libro Blanco Título de Grado de Trabajo Social, cap. 11 e 12), tarefa para qual a APSS se disponibiliza em articulação com as estruturas académicas;

vi) é de fundamental importância o princípio da transparência da designação dos cursos de ensino superior, apoiando a APSS a posição sustentada no Relatório Braga da Cruz (Parecer da Área das Ciências Sociais) no âmbito do Processo Bolonha e a proposta, nesta matéria específica, do CRUP - Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, através do documento Ensino Superior – Ordenamento da Oferta Educativa, nos quais se preconiza a substituição das designações de Trabalho Social e Política Social por Serviço Social;

vii) com esta mesma exigência de clarificação e transparência é ainda urgente que se evitem designações de Cursos de Especialização Tecnológica que mencionem a formação ou profissão de Serviço Social, assim contribuindo para uma inútil fragmentação e desqualificação do património construído e em desenvolvimento desta área disciplinar.

8. Finalmente, a APSS deseja exprimir, de modo inequívoco, que só pela observância das orientações anteriormente assinaladas estarão garantidas as condições basilares para a consolidação da licenciatura em Serviço Social no quadro da formação universitária e do desenvolvimento profissional e académico dos Assistentes Sociais em Portugal.

Lisboa, Fevereiro de 2006

Esta posição é subscrita e apoiada pelas seguintes entidades:
- Centro Português para a Investigação em História e Trabalho Social (CPIHTS)
- Associação de Investigação em Serviço Social e Estudos Interdisciplinares (CISSEI)
- Associação para a Investigação e Debate em Serviço Social (AIDSS)
- Sindicato dos Profissionais de Serviço Social (SPSS)